É possível viver de música?
- Renato Brito
- 19 de fev. de 2022
- 5 min de leitura
Atualizado: 20 de fev. de 2022
Essa semana estivemos no período de inscrição no SISU, o Sistema de Seleção Unificada, que é aquela plataforma pela qual estudantes de todo Brasil, que fizeram o ENEM, o Exame Nacional do Ensino Médio, podem ingressar em uma Universidade Federal Pública do Brasil. Eu sou professor de Canto Coral e Técnica Vocal da UFCA desde 2016 e, nesse período, eu geralmente recebo aquela pergunta: é possível viver de música no Brasil?
Essa foi a pergunta que o pastor da minha Igreja fez para mim quando eu disse pra ele que estava planejando me casar. Ele virou pra mim e me perguntou: “Você vai se casar? Mas vai viver do quê?”. Eu disse: “Eu vou viver da Música”. Aí ele me perguntou: “Mas como assim da música?”.
Eu não me lembro exatamente da resposta que eu dei pra ele na época, mas agora eu sei que respostas eu teria agora para dar. Antes de tudo, quero falar um pouco da minha experiência pessoal de profissionalização.
Eu comecei como profissional da música muito cedo. Comecei substituindo minha professora de teclado quando ela precisou tirar umas férias e eventualmente se mudar para outro estado. Fiz o mesmo com meu professor de violão. Depois foram surgindo convites para tocar em casamento, formaturas, aniversários, etc. Nesse início, encara esses cachês mais como uma oportunidade social do que profissional. Ainda era uma adolescente e a prioridade em casa era meus estudos.
Quando fui estudar Teologia no Seminário Batista do Cariri, na cidade de Crato-CE, passei a dar aulas particulares para colegas e para pessoas da Igreja. Isso me ajudava a pagar os estudos e a me manter fora de casa. Depois, quando comecei a compor, o seminário chegou a me pagar por algumas músicas que o coral da instituição passou a utilizar em suas apresentações em Igrejas da região e demais eventos da escola. Mais recentemente me tornei um pesquisador da Música. Fiz Licenciatura, Mestrado e Doutorado e, em todas essas fases de aprofundamento teórico e metodológico, recebi bolsas para produzir ciência nessa área do conhecimento: as Artes.
Tomando a minha experiência pessoal como ponto de partida, a resposta é que sim. É possível viver da música! É possível ter várias atividades profissionais dentro da música. É possível atuar como professor/a, compositor/a, cantor/a, instrumentista, pesquisador/a, regente, produtor/a musical, etc. Em cada uma dessas atividades, a pessoa pode fazer um monte de trabalhos diferentes, obter reconhecimento, ser pago por esses trabalhos e ter uma carreira profissional em música.
Aqui surgem outras perguntas: É fácil viver da música? Não! Viver da música é muito difícil porque não é uma atividade valorizada como outras atividades profissionais nem financeiramente nem socialmente. As oportunidades não são as mesmas para todas as pessoas. Há questões de gênero, classe social e ração que, infelizmente, acabam dificultando a vida profissional da pessoa que deseja viver da música, as quais precisamos urgentemente problematizar e sempre por na conta, considerando decisões pessoais e coletivas. Também não acho que seja mais fácil viver de qualquer outra atividade profissional, mas aqui escrevo sobre a área a que tenho mais familiaridade.
Mais uma pergunta: O que fazer para viver da música?
Destaco aqui quatro princípios que podem orientar as carreiras profissionais de quem deseja viver da música.
O primeiro deles é formação. Você tem que estudar muito para ter os conhecimentos básicos suficientes para exercer qualquer atividade profissional na música. Como existem várias músicas, várias possibilidades de formação existem. Há aquelas formações mais escolares e aquelas formações menos escolares. É possível fazer curso técnico, graduação e pós-graduação em música. Também é possível aprender a cantar e toca na atividade profissional em música em si. O que é comum a todas as trajetórias de formação é que a própria formação é necessária e precisará ser colocada em conta se alguém deseja viver da música.
O segundo princípio é o trabalho. Quem vive da música trabalha muito. Na fábula da formiga e da cigarra, a a primeira trabalha e a segunda não trabalha. A primeira se dá bem, porque trabalhou no verão e tinha um lugar quente para ficar no inverno. A cigarra se dá mal, porque só queria ficar tocando, o que, na fábula, não é considerado trabalho.
Claro que a fábula está querendo ilustrar uma ética e não deve ser tomada ao pé da letra em todos os pontos. Entretanto, utilizo a fábula para questionar a ideia de que tocar e cantar não seja trabalho. Você sabe o trabalho que dá para você montar um repertório para tocar em um barzinho? Você sabe o trabalho que dá para você escrever um arranjo coral? Você sabe trabalho que dá para você construir a mão uma rabeca? Caso não saiba, eu adianto que dá muito trabalho. Então é necessário que a pessoa que vive de música tenha uma agenda, tenha uma rotina, um cotidiano compromissado com horários, com prazos e com entregas. Também é essencial que saiba, na ponta da língua, quanto custa sua hora de trabalho, seus serviços e qual é sua renda mensal estimada, para que possa sempre contratar um preço justo e favorável à categoria.
O terceiro princípio que aponto é a oportunidade. Quem vive da música terá que aproveitar as oportunidades que a vida te dá. Deverá trabalhar na criação de uma rede de relacionamentos que possam proporcionar oportunidades de trabalhos. Deverá estar atento e atenta para os movimentos do mercado e para incentivos do Estado, a fim de se lançar em novos empreendimentos profissionais. Sobre esses incentivos do Estado, cito como exemplo os editais das secretarias de cultura dos estados e dos municípios que, apesar da burocracia, com alguma orientação, esses investimentos podem ser uma fonte de renda pontual e complementar.
Por fim, o quatro princípio é a inovação. Quem vive da música deve prestar atenção naquilo que vem acontecendo de novo, para aprender novas formas de fazer música e continuar vivendo de música. Ultimamente tenho aprendido a lidar com as DAWs (Digital Audio Workstation, que nem são algo tão novo assim), para trabalhar nas edições de áudio dos meus corais virtuais e isso vem abrindo meus horizontes para produzir e lançar minhas composições. Nesse mesmo movimento tomei conhecimento de plataformas de venda de partituras e das bibliotecas ou stock music, em que é possível vender trilhas para assinantes e gerar o que tem sido chamado renda passiva.
Não quero dar a impressão de que esses princípios sejam “quatro passos para a felicidade na música”. Cada pessoa terá uma experiência própria e encontrará soluções particulares dependendo de vários fatores. Espero que essa minha reflexão ajude especialmente as pessoas mais jovens, que estão cogitando abraçar as profissões da música, nem sempre com o apoio necessário. Espero também que as pessoas que leram esse texto até aqui sejam felizes, fazendo aquilo de que mais gostam: música.
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